26 outubro 2005

Perdendo Tempo

Amando com medo de perder
Perdendo a noite e perdendo a paz
Perdendo tempo e perdendo a razão
Amando menos, sofrendo mais
É que seus olhos são muito imprecisos
E os meus só enxergam o que é evidente
Eu preciso do amor brilhando no escuro
Pintado no céu com tinta fluorescente

18 outubro 2005

Azul


Quando te vejo, viro mar
Toda azul para te abraçar
Minhas ondas vão e vêm
Movimento que nada detém
Mas sempre voltam à praia minhas marés
Se debruçando na areia para beijar seus pés

Eu, mar de tantos mistérios
E caminhos inexplorados
Me rendo quando você me navega
Me torno um animal domado
E te reverencio, com águas claras
Me curvo a você, com a calmaria
Toda a tempestade se cala
Quando sua presença se anuncia

Espero com a paciência
De quem viu a vida nascer
Que você decida, enfim
Abandonar a terra firme
Para mergulhar em mim

Ilustração: Cristian Jungwirth

Partes


Existe uma parte de mim que faz parte
Da pequena parte do todo que é o mundo
E a outra parte está à parte
Podendo estar em toda parte, ou em parte alguma

Minhas partes vem em marés
Marés do mar de mim
Marés que marejam meus olhos de lágrimas
Marés que inundam meus lábios de riso

A parte de mim que está desgarrada
Do todo, do tudo, do nada
Parte ao meio meu peito
Sempre que estou abandonada
(Acho que sou abandonada)
E, no meio do choro,
Ainda consigo me perguntar:
"O que será que partiu?"

Ilustração: Cristian Jungwirth

17 outubro 2005

Quero

Quero torcer para outro time.
Quero trocar de partido.
Quero mudar o corte do cabelo,
A altura dos saltos, a cor do batom
E o comprimento do vestido.
Quero rir de outras piadas,
Caminhar por novas estradas,
Dançar um ritmo que nunca dancei.
Quero ter a delícia do susto
De desejar o que sempre odiei.
Quero inventar novos vícios,
Começar por outros inícios,
Terminar em outros finais.
Quero respirar novos ares,
Navegar por outros mares,
Quero conhecer outros pares
Ainda que não sejam os ideais.
Quero morar em outro planeta,
Mudar de telefone e endereço,
Olhar de manhã no espelho
E ver um rosto que não conheço.
Quero me guiar por outras estrelas.
Quero ter um outro diploma.
Quero descobrir novos atalhos
E falar um outro idioma.
Quero acreditar em mentiras inéditas,
Cometer erros, desde que sejam diferentes,
Tropeçar em alguma nova pedra
Que nunca tenha me aparecido pela frente.
Quero representar outros papéis
Mais parecidos com o que ainda não sou.
Quero trocar o disco,
Quero correr o risco
De criar novas asas
E me lançar em meu próprio vôo.
Quero fundar uma seita.
Quero mudar de canal.
Quero uma nova receita:
Mais açúcar, menos sal.

10 outubro 2005

Contradição

Eu quero ser eu mesma e ser interessante, vejam só que contradição. Por baixo de tudo o que eu falo alto, e eu falo sempre alto, tem uma timidez que nunca me deixa falar o que eu sinto, eu sempre minto, e nem sei por que faço assim. Quando vejo estou fingindo uma sinceridade convincente, digo por aí que sou transparente, mas só se for nos olhos que às vezes se enchem de lágrimas no escuro - nas palavras e nos gestos, quando a luz está acesa, sou a mestra do disfarce.

09 outubro 2005

Silêncio

Eu escolho o silêncio
E falo que te amo, da minha maneira,
Num idioma que só eu sei falar.
Feito de olhos se fecham,
Quando você me beija.
Sorrisos se abrem,
Espelhando os seus sorrisos,
Rindo do que você diz,
Pedindo que você me provoque.
Da pele que num arrepio pressente o toque.
E daquela vontade, tão doce,
De te ter perto e só te fazer bem.

É por isso que te dou de presente
Todo um mundo real e imaginário
Lugares, personagens e histórias
Que quero que sejam seus também
Para que nossas vidas tenham o mesmo cenário.

Se não uso palavras,
É porque não espero respostas
E guardo segredos além da pele nua
Mas, do meu modo, quero que você entenda
Que, corpo e alma, sou toda sua.

Prazo de Validade

Esse amor com prazo de validade, com dia e hora para acabar. Essa saudade antecipada, que faz cada olhar parecer o último.

Mas deixa, deixa. Deixa, que se tem tempo para mais um beijo, a gente se vira. Num beijo a gente se perde e se esquece do vôo já marcado, da mala já feita, da nossa despedida, que não vai ser a primeira nem a última, mas com certeza vai ser a mais triste que o aeroporto já viu.

Não pensa que falta pouco, muito pouco para tudo deixar de ser como está sendo. Faz de conta que isso é um sonho, e quando a gente sonha a gente não sabe que está sonhando, nem que vai ter que acordar uma hora.

Só sente isso aqui, agora, só olha para mim e nem me fale da falta que você vai sentir, e eu também prometo não te falar nada triste. Vamos nos beijar rindo (daquele jeito que você fala que acha bonito), porque se estamos juntos agora, temos todos os motivos para sorrir. Amanhã, quando você for embora, vai ser outro dia, outra vida, outro mundo. Por enquanto, nada disso existe. Só existe sua vontade e a minha, que juntas preenchem tudo, e não deixam espaço para nenhum outro pensamento.

Esquece de tudo, só não esquece que eu sou sua, agora e sempre, porque eu sou sua assim como seus olhos têm riscos verdes e cor de mel quando estão no sol: uma coisa que não vai mudar por mais que todos os aviões decolem, que todas as malas sejam feitas, que todos os quilômetros entre eu e você se multipliquem.

Vamos brincar de fazer todos os ponteiros de todos os relógios do mundo pararem só por nossa causa. Vamos confundir o tempo de tanto que vamos girar nessa nossa ciranda de beijos e abraços, para que ele se esqueça de passar.

Agora, por favor, não me deixa falar mais nada. Só me beija e me faz acreditar que é para sempre.

Canibal

Nas noites vazias
Releio minhas poesias
Como uma canibal
Me reconheço e me espanto
Tanto pranto, tanto!
Solidão abissal
Não me entendo
E nem pretendo
Me limito a me assustar
Nenhuma rima me anima
Talvez essa seja minha sina
Me reler e chorar

Esfinge

Decifro-me ou devoro-me
Sou meu enigma particular
Um quebra-cabeças de mil peças
Impossível de se montar
Sou eu de olhos vendados
Tentando a mim mesma encontrar
Tateio, tropeço em sombras
Com medo do que possa tocar
Quem é você? - me pergunta o espelho
Ainda é tão cedo, mal consigo pensar
E passam os dias, passam os meses
E a pergunta continua a ecoar
Sou como caleidoscópio que muda
Conforme o ângulo que se olhar
Sou como um dado de mil faces
Que nunca pára de rolar
Decifro-me a cada segundo
E devoro-me por me enganar

Luas

Todas as luas me viram do alto
Chorando, deitada ao relento
Sabendo que seu amor não era nada
Não era poeira, nem chegava a vento
As estrelas dando adeus à madrugada
Não se despediam do meu sofrimento
Na noite seguinte, me encontravam acordada
Me esvaindo em suspiros doloridos
Tentando catar do chão os pedaços
De meus pobres sonhos, outrora tão coloridos

Canceriana


Se eu mudo de humor
A cada dia da semana
Se eu sou tão inconstante
E pareço tão insana
Entenda, meu amor:
É que eu sou canceriana

De dia, quase uma freira
Eu sou muito puritana
E de noite, despida de tudo
Sou tão vulgar e profana
Como poderia ser de outro jeito
Sendo eu canceriana?

Posso também ser espalhafatosa
Pulseiras e truques de cigana
E no instante seguinte assumir
Um estilo bem mais à paisana
Não é esquizofrenia, meu bem
Meu mal é ser canceriana

Não me culpe se eu sou
A imagem da boa samaritana
E antes mesmo de virar as costas
Me transformo numa sacana
Culpe os astros, se quiser
Eles me fizeram canceriana

Frágil, muito frágil
Assim eu sou: de porcelana
Mas não encha o meu saco
Ou eu viro uma tirana
Os opostos moram em mim
Porque eu sou canceriana

Mulher melhor que eu não tem
Nem mais doce, nem mais bacana
Além de bonita e sem frescuras
Sei como te levar ao nirvana
Dê graças a Deus todos os dias
Por eu ser canceriana

E se você pensa que eu tomo jeito
Com terapia freudiana
Eu te digo, meu amor:
Aí é que você se engana
Eu sou um caso perdido
Perdidamente canceriana

Ilustração: Cristian Jungwirth